Era um sábado de janeiro, 5 horas da manhã, eu e Helena ainda dormíamos em sono pesado. Repentinamente, o toque do celular quebra o silêncio, acorda-nos de supetão, vem o susto, saio então tateando “atrás” do aparelho.
Número não identificado. E agora?
Atendo. Do outro lado um médico da PUC avisa-me que estou concorrendo a um rim, tenho de levantar e tomar um café reforçado, esperar que os exames de compatibilidade sejam finalizados e não comer mais nada.
Instruído, saio para a sessão de diálise no Hospital Moinhos de Ventos, rotina estafante dos últimos 10 meses. (A melhor definição foi a de um médico do HMV: para o corpo é como se o indivíduo tivesse participado de uma maratona. E eu corria 3 maratonas por semana).
Ao chegar lá conto a novidade para os colegas e o pessoal da enfermaria. Todo mundo passa a torcer para que tenha chegado a minha vez. Ao saber, o médico plantonista vem conversar comigo e pede para eu não criar muitas expectativas, pois é raro transplantar logo na primeira chamada.
Terminada a sessão volto para casa, com fome, cansado, e bastante ansioso. Às 13h30 resolvo ligar para a PUC, pois achava que não seria mais chamado. Novamente o médico diz para esperar, os exames ainda estavam em andamento e devido a minha queixa de muita fome, libera-me um café simples e instruí-me para continuar aguardando.
Foi a tarde mais comprida que vivi. Desesperançoso, mal humorado, criticando o pessoal responsável, pois a tarde estava se encaminhado para o final e eu continuava sem novas informações.
16h45. Toque do Celular. Número não identificado. Atendo. O médico da PUC avisa-me que o rim foi reservado para mim. Tenho de ir imediatamente para o hospital da PUC. Helena e eu debatemo-nos, juntamos alguns itens que nem sabíamos que seriam úteis. Vamos então. No carro aviso minha mãe que estava na praia e meu pai que estava na sua casa. Apenas peço que torçam.
Passado pelos trâmites burocráticos do hospital, agilizados por conta da urgência da cirurgia, somente tive tempo para colocar a roupa cirúrgica e despedir-me da Helena dizendo ou tentando dizer que se algo desse errado, tudo que vivemos juntos teria valido a pena.
Do restante pouco posso contar. Helena falou-me que já passava das 23h quando o cirurgião veio dar a notícia, afirmando que tudo tinha corrido bem e que eu estava na sala de recuperação, uma espécie de CTI para quem passou por cirurgia.
Esta crônica foi escrita dia 21/12/2019 às vésperas de completar 1 ano do transplante. Estou muito bem, feliz e militando por mais doações de órgãos, porque somente quem passou por tal situação pra saber o quanto é difícil a vida numa dessas filas.
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