De repente, uma vida interrompida tão precocemente. Uma família toda destruída e uma mãe toda despedaçada aos prantos na porta da UTI. Eu a chamo para conversar e ela me olha com aquele olhar mais triste do mundo e pergunta se pode ficar ali mesmo, sozinha e chorando…Respondi que sim , pois na verdade, a mãe que existe em mim queria fugir daquele sofrimento da mãe que agonizava dentro dela.
Converso com os outros familiares, os quais me informaram que já teriam falado com a mãe sobre a doação de órgãos e que ela não queria de jeito nenhum, pergunto se realmente não tinha condições de falar com ela, eles disseram que não. E me direciono até a UTI, para encerrar o protocolo, informo a recusa e saio.
Quando estou saindo da UTI, para pegar minhas coisas para ir embora eu ouço aquela voz que vem sei lá de onde me dizendo, “tenta de novo!” Retornei e pedi à equipe da UTI que me desse mais alguns minutos… Pedi permissão para a família para conversar com a mãe. Quando ela entrou na sala, não adiantou aquela vontade que tive de fugir do sofrimento dela.
Deixei ela chorar e iniciei uma conversa, pedi permissão para estar naquele momento triste, falei daquela situação irreversível e o que de bonito poderíamos tirar dela…Depois de muitos minutos de conversa, ela conseguiu minimamente respirar, contou o quanto o filho era do bem… Ela falou sobre a esperança que perdeu, sobre a dor da perda que nunca sentira dessa forma, sobre a vontade de que aquele pesadelo acabasse… Por tudo eu lamentei! Então pedi permissão para falar do que era imutável, do tempo que não volta atrás, daquilo que nunca foi dito mas poderia ser uma verdade implícita em atitudes, do que ainda poderia ser bonito. Depois de um tempo, como se os anjos tivessem ouvido as preces de todas as mães de pessoas que estão numa fila de transplantes, ela disse “Sim”!
Quando informei a UTI a equipe vibrou! Esse sim modificou a vida de muita gente. Esse “Sim” foi de tamanha grandiosidade que encheu meu coração de orgulho e gratidão por essa oportunidade. Esse sim veio confirmar o quanto esse ano, que para muitos foi tido como perdido, para nós foi de superação! SIM! Foi muito difícil, mas fizemos o improvável, batemos todos os recordes de vidas salvas dos anos anteriores… O que me deixa feliz é o bem que as pessoas que doam experimentam depois de um tempo!
Estamos praticamente encerrando esse ano e eu só tenho a agradecer, pelas parcerias, pelo empenho de toda equipe, pela confiança das famílias em nosso trabalho. Gratidão por estar viva e por não estar numa fila de transplantes, gratidão por cada história que guardei no coração… Eu coleciono lágrimas de mães… Tenho dentro de mim, incontáveis histórias tristes. Mas a gratidão é maior que tudo.
Posso dizer que, em meio a tudo isso, 2020 foi o melhor ano na vida de muitas pessoas. Eu agradeço cada família que mesmo diante da dor possibilitou esse momento grandioso. Eu agradeço a cada doador que passou por essa vida e encerrou de forma tão nobre, pois um doador não só salva vidas, ele dá uma vida nova a quem precisa. A gente segue acreditando no melhor das pessoas, a gente segue acreditando que o normal é dizer SIM, a gente segue acreditando que Anjos Existem…