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COMO FUNCIONA O SERVIÇO DE TRANSPLANTES NA IRLANDA – Por Enfermeiro Rafael Souza

Vou contar um pouco da minha experiência com transplante na Irlanda. Atualmente, sou Gerente Clínico do serviço de hemodiálise de um hospital geral na Irlanda (Hospital A), mas antes trabalhei como enfermeiro assistencial em outro hospital de grande porte por cinco anos (Hospital B). Aqui, cada hospital é referência nacional em algum serviço, ou seja, não há um hospital que tenha necessariamente todos os serviços que você possa precisar. O primeiro hospital que eu trabalhei é referência em Lesões de Coluna, Hipertensão Pulmonar, transplante de pulmão e coração, entre outros. O que eu trabalho hoje é entre outros, a referência nacional em transplante duplo de pâncreas-rins e de fígado. Mas caso você precise somente do transplante de rim, você é encaminhado para um terceiro hospital (Hospital C), que é a referência do país para este procedimento e onde o serviço funciona desde 1986. Se o transplante for infantil, ele é realizado no Hospital D, que é a referência de hospital infantil do país, porém feito pela equipe de cirurgia do Hospital C.

O sistema de doação de órgãos funciona através do Escritório Nacional de Doação e Transplante de Órgãos, que determina que qualquer pessoa pode ser doadora desde que manifeste seu desejo. No entanto, um pré requisito básico é que para ser doador, a pessoa tem que ser residente na Irlanda por ao menos um ano e precisa ter direito a tratamento médico no país (direitos de um residente). A captação de órgãos é feita nas 22 Unidades de Terapias Intensiva do país seguindo critérios específicos para tal, e assim que o órgão está disponível, ele é remanejado para o hospital transplantador. Atualmente, o tempo de espera médio por um transplante de rim na Irlanda é de aproximadamente 3 anos. Como o país é pequeno e tem uma população pouco menor que 5 milhões de habitantes, a oferta de órgãos não é tão alta como em uma cidade Brasileira. No Brasil, as listas de transplante se dão por estados, enquanto aqui há apenas uma lista nacional, pois como falei anteriormente, há apenas um hospital realizando as cirurgias e o país é pequeno. Apesar de parecer baixo comparado ao Brasil, o país realizou 128 transplantes com doadores cadáver e 25 com doadores intervivos em 2019, enquanto o número de transplantes duplos foi 2, o que torna os números de transplantes renais na Irlanda uns dos mais altos do mundo por milhão de habitantes.

Vários dos nossos pacientes de diálise tem como causa da doença renal o uso de medicações imunossupressoras. Em outras palavras, pacientes transplantados de outros órgãos que eventualmente tem a função renal comprometida por causa das medicações antirrejeição e infelizmente passam a precisar de uma terapia renal substitutiva, que na maioria das vezes é a hemodiálise. Geralmente, os serviços de nefrologia dos hospitais têm uma equipe de transplante liderada por um enfermeiro especialista (CNS), que é quem faz a conexão tantos com os pacientes de consultório quanto com os que já estão nos serviços de diálise. No caso do transplante duplo, há uma equipe independente da nefrologia que conduz o cuidado desse paciente no pré e pós operatório. Uma vez que o médico responsável pelo paciente o identifica como candidato a um possível transplante de rim ou pâncreas/rim, esse enfermeiro iniciará o que chamamos de “workup”, que é a bateria de exames necessária para incluir um paciente na lista de transplante, que incluem consulta dentária, ginecológica (para mulheres), cardiovascular, pulmonar, ultrassom abdominal, etc. Um pré-requisito para o “workup” ser iniciado é que o paciente tenha menos de 20% da função renal e a condição para ele entrar na lista é que esse valor seja inferior a 15%. Como parte final do “workup”, os pacientes são encaminhados ao departamento de transplante renal do Hospital C ou do Hospital A, onde ele passará a ter consultas com o cirurgião, enfermeiros e demais membros da equipe.

Quando o paciente é chamado para a cirurgia, pode ser que ele precise de uma sessão de diálise antes do procedimento só para certificar que o paciente está hemodinamicamente estável e com níveis normais de potássio. Após a cirurgia, o paciente é transferido para uma unidade de internação especializada em transplantes renais/pâncreas-rim, onde a equipe oferece o cuidado personalizado para cada um. Os pacientes ficam nessas unidades entre 7 e 14 dias antes de terem alta hospitalar. O pós operatório é tão importante quanto a cirurgia para o funcionamento do órgão enxertado. Amostras de sangue são analisadas constantemente e ajustes nas medicações antirrejeição são feitos para favorecer o funcionamento do enxerto. Se o paciente tiver o pâncreas transplantado também, há um cuidado minucioso com os níveis de glicose no sangue para evitar hipo ou hiperglicemia.

Depois da alta hospitalar, eles recebem uma caderneta de consultas conhecido como Passaporte do Transplantado e passam a ter consultas regulares com o cirurgião até um momento que eles têm alta da cirurgia e passam a ser acompanhados pelos médicos nefrologistas e enfermeiros especialistas em transplante dos hospitais de onde inicialmente vieram. Nos consultórios, eles também têm amostras do sangue coletadas periodicamente para exames laboratoriais e dosagem das medicações antirrejeição, a fim de ajustar doses, se necessário. Aqueles na fila de transplante tem amostras de sangue coletadas a cada 3 meses para atualização dos testes de compatibilidade (exame citológico).

No momento, por causa das restrições relacionadas ao Covid no país, sobrecarga de trabalho e alta demanda de Unidades de Terapia Intensiva para pacientes de Covid, todas as consultas de pacientes pré ou pós transplante têm sido limitadas ao mínimo necessário, bem como as cirurgias eletivas, o que significa que transplantes não estão acontecendo. Com isso muitos órgãos de doadores não estão sendo aproveitados. Pacientes na lista de transplante que sejam suspeitos ou contatos de casos suspeitos são suspensos da lista por 6 semanas, até que se recuperem ou saiam do isolamento obrigatório.

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