Quando sofremos uma grave doença e estamos correndo risco de vida, a única coisa que desejamos é sobreviver. E foi esse motivo que me levou a ser internada em meados de 2017. O coração que eu nasci já era insuficiente para manter-me viva. Eu precisava de um coração para substituir o meu. Eu precisava de um transplante.
Eu só sairia do hospital se eu conseguisse uma doação. Poderia ser no dia seguinte ou um ano depois. Uma das táticas que eu usei para manter minha saúde mental foi manter minha vaidade.
Eu precisava estar conectada comigo mesma, não queria ser somente uma paciente. Não tinha nenhum controle sobre quando ou se conseguiria ser transplantada, mas já decidira que, quando meu órgão chegasse, encontraria-me de unhas esmaltadas, maquiada e perfumada.
Os meses passaram até que uma família disse SIM e autorizou que eu recebesse o coração de seu filho! Eu consegui esperar! Eu sobrevivi! Iniciei o uso de um imunossupressor – medicamento para evitar que o corpo rejeite o órgão recebido – e a lidar com alguns efeitos colaterais.
Comecei a ter pelos indesejados, como por exemplo, barba e bigode. Foi uma surpresa desagradável. Meu marido tentava contornar a situação dizendo que se minha carreira não deslanchasse eu poderia trabalhar em um circo como Mulher Barbada. Mas nisso eu dei um jeito e ficou tudo certo. Era só um detalhe diante da alegria de acordar dia após dia sem falta de ar.
Já de alta para casa, passei pelo que muitas transplantadas passam: a queda acentuada de fios de cabelo. Foi desesperador. Mas procurei uma dermatologista, tomei umas vitaminas e apliquei uns remédios no cabelo. E passou. Parece que ficaremos careca, mas isso não acontece. A queda um hora para, e a paciência nesse caso é ouro.
Quando comecei a sair de casa, a cicatriz ainda era muito alta e “vermelhona”, e pasmem: estranhos paravam-me na rua para perguntar o que tinha acontecido comigo. Sério! Uma vez estava na fila de um açougue enorme e de trás do balcão a açougueira gritou fazendo cara de nojo: “Que que é isso no seu peito?” Vocês não fazem ideia de como as pessoas não têm noção! Dava-me impressão de que quando as pessoas me vissem iam enxergar só uma cicatriz. Por isso comecei a comprar blusas de gola alta. Não, não tenho vergonha em dizer que toda essa autoestima que eu tenho hoje não veio pronta depois do transplante. Eu tive que construir.
O tempo foi passando e comecei a ser liberada para diversas coisas que devido às medicações pós transplante e a recente cirurgia eu ainda não podia fazer.
Mais do que isso: estava liberada para fazer coisas que eu nunca havia feito na vida. Eu renasci em um corpo curado. Eu ganhei asas. A cicatriz ficou muito pequena diante do horizonte que se abriu para mim. Eu acordava dia após dia cheia de vigor e fome de vida.
Olhava para o espelho e lá estava ela: a minha cicatriz. Eu passava a mão em cima dela e falava: “Sua linda, bora para mais um dia incrível! Comecei a usar roupas decotadas. Comecei a ostentar minha cicatriz para o mundo. Comecei a fazer musculação e natação. Comecei a sentir me forte. Comecei a sentir-me maravilhosa de um jeito que eu nunca havia sentido em toda a minha vida.
Minha beleza vem da força do coração que alguém me doou. Minha felicidade vem de saber que vou envelhecer. Minha sensualidade vem da energia que agora transborda em mim.
Mais linda do que sempre fui, mas nunca me senti. Mais viva do que nunca fui, mas sempre mereci.
Feliz dia da mulheres!
otimo post, gostei bastante !!!